O RIO PELOTAS
O rio Pelotas está localizado na região do Planalto das Araucárias, e corresponde a porção inicial do rio Uruguai e localiza-se entre o nordeste do Rio Grande do Sul e Sudeste de Santa Catarina. O vale do rio Pelotas está em uma das áreas com maior diversidade e endemismo de flora e fauna, ou seja, ocorrência restrita de espécies silvestres, por estar localizada em vales de rios e em uma região de altitude. Por isso, a região é considerada como Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e abriga os remanescentes de Floresta com Araucária mais contínuos e preservados da região, que é definida como Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade, em seu grau mais elevado (Extremamente Alto). Nesta região, entre as altitudes de 650 m e 900 m, ocorre uma biodiversidade extraordinária, justamente no fundo dos vales deste rio e de seus tributários. Ocorrem espécies não mais encontradas em outras regiões do RS, como o queixada (Tayassu pecari) e o gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus), além de espécies de peixes ainda não descritas na ciência. A área também abriga outras espécies ameaçadas da fauna, como o puma (Puma concolor), a jaguatirica (Leopardus pardalis), a lontra (Lontra longicaudis), o urubu-rei (Sarcoramphus papa), o gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), entre muitas outras.
OS IMPACTOS
Estão previstos para o rio Pelotas uma série de 12 grandes empreendimentos hidrelétricos (Figura 1), planejados durante o governo militar (1979), além dos mais de 200 empreendimentos menores nos seus afluentes. Esses projetos foram concebidos sem nenhuma avaliação ecológica da bacia e da atual situação dramática da biodiversidade tanto a nível mundial como regional. Esses projetos pretendem transformar um rio com corrente rápida num enorme cordão de lagos de água parada, onde os vales desapareceriam embaixo d’água. O rio já sofreu o barramento de três dessas hidrelétricas, Itá, Machadinho e Barra Grande (licenciada por meio de um relatório fraudulento), das quais as duas últimas destruíram com mais de 10 mil hectares de floresta. A usina de Foz do Chapecó já foi concluída e está em processo de enchimento, fato que causou, no período do fechamento de suas comportas, a seca de alguns quilômetros do rio.
Os impactos causados por essas hidrelétricas são imensos. A água estancada do rio leva ao desaparecimento de muitas espécies que demoraram milhões de anos para se adaptarem à ambientes de correntezas, como o dourado que precisa de pelo menos 80 quilômetros de rio para realizar a piracema (migração para realizar a desova). A Floresta com Araucária está reduzida a 5% e continua a diminuir. Fora do vale dos rios da região do rio Pelotas, a agricultura já consumiu com mais de 90% dos campos nativos e das florestas com araucária. Portanto, agora, as florestas estão confinadas, justamente, nos vales, por serem lugares de difícil acesso. Com os alagamentos, milhões de árvores ficam debaixo d’água. Com a perda desse hábitat, os animais tendem a desaparecer da região.
As hidrelétricas, ao contrário do que se pensava, não são uma fonte de energia limpa. Através da decomposição da matéria orgânica que fica alagada e da recarga de restos vegetais das margens de represas são liberados gases de efeito estufa, principalmente o metano, com um efeito dezenas de vezes maior que o dióxido de carbono.
Além dos impactos ambientais também ocorrem impactos sociais. As populações que vivem às margens dos rios são afetadas e muitas vezes expulsas de suas terras. As hidrelétricas no RS já atingiram mais de 50 mil pessoas.
PENDÊNCIAS
Após o reconhecimento da fraude que foi o estudo de impacto ambiental de Barra Grande foi firmado um Termo de Compromisso que estavam envolvidos a Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Energética Barra Grande S.A. (BAESA), o Ministério de Minas e Energia (MME), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF). Nesse documento ficou determinado, entre outras coisas, que:
- a BAESA adquirisse e doasse ao IBAMA uma área equivalente àquela perdida (5740ha), com características próprias de fitofisionomia de floresta ombrófila mista (floresta de araucária), necessariamente constituída por vegetação primária e secundária em estágio médio e avançado de regeneração, onde será criada uma unidade de conservação de proteção integral;
A empresa depositou o valor de 21 milhões de reais ao IBAMA, mas há mais de 5 anos o governo federal tenta desestimular a compra da área mais semelhante representada por aquela sujeita ao empreendimento de Pai Querê, a despeito de ações de ONGs na justiça para que o compromisso seja cumprido.
- o MMA criasse um corredor ecológico à montante da área de Barra Grande (onde está prevista a AHE Pai Querê) que garanta o fluxo gênico, interligando a região da calha do Rio Pelotas e seus principais afluentes, aos Parques Nacionais de São Joaquim e Aparados da Serra;
O MMA elaborou um projeto de Refúgio da Vida Silvestre Rio Pelotas-Aparados da Serra, com a extensão de 273 mil hectares, mas a Casa Civil, há quase dois anos, abortou o projeto por incidir na área de Pai Querê.
- fosse feita uma Avaliação Ambiental Integrada dos Aproveitamentos Hidrelétricos localizados na Bacia do Rio Uruguai para avaliar os efeitos cumulativos resultantes dos impactos ambientais ocasionados pelo conjunto das hidrelétricas em planejamento, construção e operação situados na bacia e que servisse de base para as próximas licenças.
O MME tentou encomendar um estudo de AAI que chancelasse todos os projetos desejados, porém o MMA rejeitou pela má qualidade e também pelo direcionamento meramente economicista, pedindo outro estudo, mais abrangente, para a UNIPAMPA e UFSM. O novo estudo de alto nível foi forçado, pelo MME e pela Casa Civil, a não incluir a necessidade de áreas livres de represas, sendo modificado em sua essência.